quarta-feira, 13 de março de 2013

CANDIDOSE ORAL EM CÃO

 Resumo: A candidose é a doença fúngica oral mais comum no homem. Em animais, tem baixa prevalência quando em ambiente
bucal e frequentemente está relacionada a imunodeficiência, doenças sistêmicas ou ao uso prolongado de antibióticos. Este artigo apresenta um caso de candidose em língua de um cão Pastor Alemão submetido a corticoideterapia em virtude de quadro de anemia hemolítica autoimune. De maneira geral, os quadros de candidose oral em animais têm bom prognóstico quando diagnosticados corretamente, quando removido o fator predisponente e instituída terapia adequada. A indicação primeira é de terapia antisséptica e antifúngica tópicas. A manutenção do quadro pode levar a desconforto, halitose, dor intensa, pseudoptialismo e anorexia. 
A candidse é a doença fúngica bucal mais comum no homem e pode se apresentar com formas clínicas variáveis, o que dificulta seu diagnóstico. Nas pessoas, a infecção está provavelmente relacionada a três fatores gerais: o estado imunológico do hospedeiro, o meio ambiente da mucosa oral e a resistência da C. albicans1,2.
O termo Canidose oral pode ser descrito também na literatura especializada como Candidíase, leucoplasia por Candida ou Candidose Hiperplásica Crônica (CHC)3.
Samaranayake (1991) propôs a subdivisão do termo candidose em dois grupos: grupo I ou candidose primária estritamente localizada na cavidade oral e sem envolvimento de outras regiões como pele ou outras mucosas; e grupo II ou candidose oral secundária em que as lesões são encontradas na boca e também em outras regiões como a pele.
Em animais, a doença tem baixa prevalência quando em ambiente bucal e quase sempre está relacionada a imunodeficiência, doenças sistêmicas ou ao uso prolongado de antibióticos5,6,7.
Tanto infecções humanas como as infecções em animais são causadas pela Candida albicans, sendo que outras espécies como C. tropicalis, C. krusei, C. parapsilosis e C. guilliermondi podem ser encontradas no homem mas raramente causam doença1. Um dos fatores que contribuem para este fenômeno está relacionado ao fato de ser detectada produção de fosfolipase em maior quantidade de sepas de C. albicans. Esta enzima, associada a proteinases, está diretamente relacionada ao grau de patogenicidade na levedura7. A Candida albicans ocorre naturalmente na microbiota de animais e de pessoas saudáveis8.
As diversas manifestações clínicas observadas em pessoas tais como a candidíase pseudomembranosa, candidíase eritematosa, candidíase crônica hiperplásica e candidíase mucocutânea não parecem ter correspondência em odontologia veterinária. Além disso, pessoas podem ser acometidas em língua, palato, mucosa jugal, gengiva e comissura labial, enquanto somente língua e transição mucocutânea parecem ser afetadas nos animais1,2,7. Casos raros podem se estender à região de orofaringe7.
O aspecto clássico da lesão em animais cursa com placas brancas que podem apresentar superfície ulcerada e hemorrágica3. O termo Leucoplasia bucal advém desta manifestação clínica clássica3.
Os sintomas nos pacientes com candidose oral podem variar. Em pessoas, o quadro relatado pode cursar desde um leve desconforto, queimação da mucosa e alteração do paladar até a dor intensa e relutância à preensão1,9. Em cães, a doença pode passar despercebida do proprietário caso não sejam observadas lesões. Há casos porém de animais que apresentam dor intensa, pseudoptialismo, disfagia, dificuldade de preensão do alimento, hemorragia, saliva espessa, anorexia e halitose5,6,8.
Neville1 (1998) afirmou que, na prática clínica, o diagnóstico da candidíase costuma ser estabelecido pelos sinais clínicos juntamente com o exame de citologia esfoliativa. A identificação definitiva dos microorganismos, porém, deve ser realizada através de cultura e de swab com algodão estéril friccionado sobre a lesão que será então esfregado em superfície de ágar Sabouraud. A C. albicans deverá então crescer como colônias cremosas de superfície plana, dois a três dias após incubação em sala a temperatura ambiente.
Nos casos em que o diagnóstico é inconclusivo ou que o aspecto clínico das lesões não condizem com a forma clássica, a biópsia está indicada pois são relatados casos de lesões crônicas hiperplásicas por cândida que mimetizaram o câncer de língua10.
Uma vez concluído o diagnóstico, deve-se instituir terapia imediata. Em animais, a terapia sugerida envolve a eliminação da causa de base quando identificada, estimulação inespecífica do sistema imunológico do paciente combinados com terapia tópica com agentes antifúngicos como a Nistatina; e antifúngicos sistêmicos como Cetoconazol na dose de 10mg/kg a cada 24 horas durante um mês5.
Para o homem, são propostas diversas terapias dentre elas o tratamento tópico com diluição de Propolis e Clorexidina11, terapia fotodinâmica12, terapia sistêmica com antifúngicos (Nistatina, Anfotericina, Clortrimazol, Cetoconazol, Fluconazol e Itraconazol)1,13 e mais recentemente, inclusão de inibidores de crescimento fúngico, especialmente em materiais de confecçãoo de próteses13. O prognóstico da candidose oral é bom quando o tratamento é instituído adequadamente, quando a causa base predisponente é eliminada e a higiene oral é restabelecida14.

Relato de caso

Foi encaminhado ao Centro Odontológico Veterinário (Odontovet) um cão da raça Pastor Alemão, fêmea, 10 anos de idade com quadro relatado pelo proprietário de disfagia, halitose intensa e aparecimento de lesão bilateral em língua percebida havia três dias.
O histórico apresentado em anamnese mostrava que, dois meses antes, após cirurgia de mastectomia, o cão havia desenvolvido quadro de anemia hemolítica e que o colega clínico veterinário iniciara tratamento com prednisonaa em dose de 2 mg/kg a cada 12 horas. Após cerca de 30 dias de tratamento, houve melhora clínica e laboratorial do quadro e iniciou-se redução gradativa da medicação. Uma semana após o início da redução da medicação, o paciente apresentou recidiva do quadro de hemólise.
Exames laboratoriais realizados por outro clínico para o qual o paciente fora encaminhado, apresentaram resultados sugestivos de quadro de anemia de causa multifatorial, provavelmente resultante de hemólise, hepatopatia iatrogênica com redução da eritropoiese.
Foi então mantida redução gradativa da terapia com corticoide e adotado o micofenolato de sódiob na dose de 10 mg/kg a cada 12 horas para controle da hemólise, além de medicações de suporte para controle do quadro de hiporexia (omeprazole, 40 mg a cada 24 horas) e hepatopatia (S-adenosilmetioninac, 10 mg/kg a cada 24 hora; Silybum marianum e complementosd, 10 mg/kg a cada 12 horas; e sucralfatoe, 5 ml a cada 12 horas), além de suplementação com ferro carbonilaf, um comprimido a cada 24 horas) e associação de amoxicilina e clavulanatog (22 mg/kg a cada 12 horas).
Durante o atendimento odontológico, o proprietário referiu que a lesão da língua havia ocorrido dois dias após a instituição do tratamento com micofenolato de sódio (figuras 1 e 2). Um dia antes deste atendimento, o proprietário reduzira a frequência de administração do micofenolato, passando de intervalos de 12 para cada 24 horas, conforme orientação clínica. Ao exame da boca, foi constatada presença de placas brancas bilaterais em superfície e borda de corpo rostral de língua (figura 3) com consistência firme à palpação, acúmulo de cálculo grau II a III, gengivite e halitose. Diante do aspecto da lesão e do histórico de tratamento do paciente, suspeitou-se de candidíase e foram indicados profilaxia oral e biópsia da lesão.
Em virtude do estado clínico do paciente, o tratamento foi postergado até resolução completa do quadro. Coletou-se material da superfície da língua por meio de swab para exame citológico e micológico.

Foi prescrita aplicação tópica de associação de isetionato de hexamidina com cloridrato de tetracaínah a cada oito horas até a obtenção do resultado do exame citológico.
O resultado do exame citológico da lesão sugeriu candidíase oral. O exame micológico do material coletado por swab confirmou o diagnóstico de candidose por Candida sp.
A resolução espontânea das lesões da língua começou a ser observada dez dias após o atendimento odontológico (figuras 4 e 5). Foi mantida higienização com clorexedinei 0,12%. Após um mês, o paciente apresentou estabilização do quadro clínico e as lesões na língua regrediram por completo.
Após 100 dias do primeiro atendimento odontológico (data da observação das lesões) o animal apresentava completa recuperação do quadro oral (figuras 6 e 7).

Discussão e conclusão

Casos como o apresentado neste relato são acontecimentos raros em cães5,6,8. Moléstias orais primárias causadas por Candida albicans são ainda menos prevalentes especialmente porque o microorganismo faz parte da microbiota oral dos animais. Os quadros de candidose oral em cães são gerados a partir de infecções oportunistas1.
Mesmo apresentando curso de menor gravidade quando comparada com quadros humanos1,2,4,9,14, não se pode negligenciar sinais importantes observados em animais, especialmente a dor intensa. Estes pacientes podem, quando não tratados rapidamente, apresentar hiporexia grave e complicações sistêmicas que levam o organismo a um ciclo de debilidade progressiva e maior gravidade da infecção.
Diversos fatores têm sido relacionados à predisposição para infecção por Candida. Importante destacar, porém, que todos estes fatores culminam com a quebra de barreiras de proteção da boca14.
A saliva exerce importante papel mecânico de lixiviação de microoganismos da mucosa oral. O volume adequado de saliva é, portanto, fator preponderante da saúde oral13,14.
A redução da quantidade e da qualidade da saliva produzida em cães não foi ainda comprovada, mas há indícios de que possa ser consequência de medicações como corticosteroides. A diminuição de importantes proteínas de combate da saliva como lactoferrinas, sialoperoxidases, lisozimas, polipeptídeos ricos em histidina e anticorpos específicos contra Candida poderia ser fator predisponente de infecções oportunistas5,6,14.
Tem sido sugerido que o principal fator desencadeante de candidose oral em animais seja o uso prolongado de corticosteroides ou de antimicrobianos1,2,3,4,5,8,11,12. São fármacos que desencadeiam mudanças diretas na microbiota natural da boca e favorecem rapidamente infecções oportunistas. Além disso, podem induzir quadros de imunossupressão que reduzem drasticamente anticorpos presentes no fluido sulcular (especialmente IgA) e abrem portas à proliferação de leveduras.
Frequentemente o diagnóstico de candidose é obtido através de associação do histórico do paciente com os sinais e sintomas apresentados. Citologia e cultura são indicados1, mas são possíveis falsos positivos, especialmente devido a presença de Candida na microflora natural do paciente1,2,6.
Casos complicados podem ser confundidos com neoplasia e são sugestivos de biópsia10. Neste relato houve indicação de profilaxia oral e biópsia. Porém, diante do quadro clinico do animal, optou-se pela coleta de material através de swab para citologia e cultura do material.
Diante do sintoma de dor intensa um bom recurso pode ser o uso tópico de antissépticos e analgésicos. Neste caso, a associação de isetionato de hexamidina com cloridrato de tetracaína mostrou-se satisfatório para reduzir a sensibilidade local5,6,8.
Ainda que haja gama importante de medicações antifúngicas e anti-inflamatórias disponíveis para o tratamento sistêmico ou tópico da candidose oral, parece certo que a principal abordagem médica deva ser a remoção ou controle da causa base que predispôs o desenvolvimento da infecção. Como é frequente que esta base esteja associada ao estado clínico do paciente, a estabilização sistêmica pode, per se, determinar o sucesso do tratamento1.
Para estes autores esta parece ser a etapa fundamental da terapia e todas as outras medicações devem ser abordadas como adjuvantes para reduzir a carga local de contaminantes, reverter o estado de inflamação das mucosas (restabelecendo assim as barreiras físicas locais da boca), reduzir o estado de desconforto e dor e permitir a função adequada das regiões afetadas.
Neste relato, parece ter havido relação direta do uso prolongado de corticosteroide como aparecimento da candidose. Pode-se imaginar, portanto, que um estado de imunossupressão tenha favorecido a proliferação de Candida sp.
As lesões na língua regrediram espontaneamente após início da estabilização do quadro clínico do paciente que coincidiu com a redução gradativa das doses de medicações imunossupressoras. Não é possível afirmar qual ou quais drogas tiveram menor ou maior participação no processo. A literatura odontológica humana, porém, relaciona amplamente os quadros de candidose oral ao estado de imunossupressão em pessoas1,2,3,4,9,10,11,12,13,14 e parece plausível que este pensamento seja transportado aos animais.
As medicações imunossupressoras não são causas diretas para a ocorrência de infecções oportunistas de cavidade oral e portanto não podem ser preteridos em tratamentos de pacientes que deles necessitem. Quadros de anemia hemolítica como o que aqui foi apresentado são amplamente discutidos na literatura e teriam poucas chances de sucesso terapêutico sem o uso de esteroides e de outros moduladores de imunidade como o micofenolato de sódio.
Este relato, portanto, não tem por objetivo discutir a eficácia e a importância do uso destes fármacos e, aos autores, são fortes as indicações de sua real efetividade. O que deve ser destacado é que, quando da instituição de terapias com medicamentos potencialmente imunossupressores ou que levem alteração direta da microbiota natural da boca, é fundamental o acompanhamento permanente das condições da boca.
Quando possível, a terapia profilática prévia através de tratamento periodontal sob anestesia deve ser recomendada pois o equilíbrio da carga de microorganismos da boca poder funcionar como mecanismo de proteção contra infecções oportunistas e impedir quadros como este.

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