quarta-feira, 13 de março de 2013

EXTRAÇÃO DENTÁRIA

Apesar dos avanços das técnicas na odontologia veterinária dos últimos anos, a extração dentária ainda é o procedimento cirúrgico mais frequente na prática odontológica de cães e gatos. Mesmo sendo muito comuns e consideradas cirurgias menores, devem ser realizadas com o mesmo preparo e conhecimento que qualquer outro procedimento cirúrgico pois podem ter complicações. É importante ressaltar que antes de indicar a extração, é necessário avaliar as possibilidades de tratamentos mais conservadores1,22.
A exodontia é a remoção do dente de seu alvéolo através de uma dilatação deste e com o rompimento das fibras periodontais que ligam o dente ao tecido ósseo3,4. As extrações podem ser divididas em simples, também chamadas de não cirúrgicas ou por via alveolar, ou complicadas, também conhecidas por cirúrgicas ou por via extra-alveolar5,6,7. As extrações simples não necessitam de incisão em gengiva ou mucosa, apenas no sulco gengival, ou secção do dente (odontossecção) e normalmente são realizadas em dentes unirradiculares. As extrações cirúrgicas requerem incisão de gengiva e mucosa para realização de retalho, e/ou odontossecção, quando o dente for bi ou trirradiculado, e/ou remoção de osso alveolar6. Uma exodontia
simples pode evoluir para extração complicada quando ocorre fratura radicular durante o procedimento. O conhecimento da técnica e o uso de instrumentais adequados é de suma importância para o sucesso do procedimento5.
A remoção de um ou vários dentes no cão e no gato pode ser indicada por vários motivos. Os mais frequentes são a doença periodontal que pode acometer 85% dos cães e gatos em idade adulta5 e a lesão reabsortiva nos felinos que pode ser vista em até dois terços dos gatos domésticos e cuja prevalência aumenta com a idade do paciente8,9. A periodontite pode resultar em grande perda óssea e as extrações normalmente são facilitadas e não requerem retalho ou remoção óssea7. Nos quadros de lesão reabosrtiva, devido à fragilidade dental e à anquilose progressiva do dente no alvéolo, a exodontia pode se tornar difícil1010.
As fraturas dentais com exposição pulpar podem ser uma indicação de extração dentária quando o tratamento endodôntico não é indicado ou possível de ser realizado. Dentes decíduos fraturados ou persistentes, dentes supranumerários, dentes inclusos, dentes em foco de fratura de mandíbula ou maxila, dentes mal posicionados causando trauma oclusal ou dentes com falha no tratamento endodôntico, também têm indicação de exodontia2,6,11.
É importante ressaltar que, como em qualquer procedimento cirúrgico, a utilização de instrumentais adequados e o conhecimento da técnica permitirão intervenções eficientes minimizando o trauma e desconforto do paciente e permitindo rápida recuperação1,2,4,5,1212.
Neste artigo, serão abordados os passos para a realização da extração simples, por via alveolar que representam os princípios básicos para qualquer tipo de exodontia.

Passo 1: obtenção do
consentimento do proprietário
É importante obter, preferencialmente por escrito, o consentimento prévio do proprietário para a realização da extração. Se a necessidade de exodontia for percebida durante o tratamento, é importante ter um número de telefone para poder conversar com o proprietário, explicar-lhe a necessidade do procedimento e obter o seu consentimento. Se isso não for possível, o ideal é documentar a alteração com fotografias e radiografias intra-orais e agendar uma nova data para a realização do tratamento necessário1.

Passo 2: realização de radiografias intra-orais
Com o paciente sob anestesia geral, radiografias intra-orais com filme convencional número 2 ou 4 ou radiografias digitais devem ser realizadas antes da extração do dente. Permitem avaliar a severidade da afecção, alterações radiculares e presença de anquilose: informações importantes para o planejamento da extração, além de documentarem o caso. Após a extração do dente, uma nova radiografia pode ser realizada para comprovar a ausência de raízes remanescentes1,7.

Passo 3: obtenção de boa visibilidade e acesso ao campo cirúrgico
O paciente deve ser posicionado de forma a permitir o máximo de visibilidade da região a ser abordada e promover conforto ao cirurgião. Muitas vezes durante o procedimento, o posicionamento do paciente deve ser ajustado, assim como o do medico-veterinário. A iluminação deve ser forte e focada na área da cirurgia. Abridores de boca podem ser usados para facilitar o acesso e a visão do dente a ser extraído. Lupa cirúrgica pode ser de grande auxílio para aproximação da região da furca por exemplo ou de um fragmento de raiz no alvéolo1,7,12.

Passo 4: controle de dor
A dor pode ser fisiológica (de proteção) ou patológica (lesão do tecido ou do nervo). O objetivo do controle da dor associada a extração dental é diminuir a dor patológica associada à afecção dental e diminuir ou eliminar a dor aguda após a exodontia7. As extrações são procedimentos cirúrgicos de dor moderada a severa para o paciente. Dependendo da saúde do paciente, pode-se usar associação de várias modalidades de analgesia: combinação de opioides, anti-inflamatórios não esteroidais, anestesia local (ver edição 78 - 2010 de NOSSO CLÍNICO) e drogas dissiociativas1.

Passo 5: sindesmotomia
A sindesmotomia representa o descolamento do ligamento periodontal. O objetivo da sindesmotomia é liberar a gengiva do dente para permitir melhor acesso ao osso alveolar e ligamento periodontal, além de proteger a gengiva de eventuais traumas durante o procedimento. Pode ser realizada com o auxílio de uma lâmina de bisturi n.11 ou 15, um elevador periostala (figura 1) ou um sindesmótomo. O instrumental escolhido é introduzido no sulco gengival com sua ponta angulada voltada para o dente evitando trauma na gengiva (figura 2). Uma vez que o ligamento do sulco gengival seja seccionado ou rompido, o instrumental deve ser avançado apicalmente até o osso alveolar Esta manobra deve ser realizada ao redor de toda a circunferência dental1,6,7.

Passo 6: luxação do dente
A luxação do dente consiste em soltar o dente do alvéolo dentário rompendo o ligamento periodontal com o auxílio de alavancas ou elevadores de raiz1,2,3,5,6,7,11,12.

A ponta do instrumental é inicialmente introduzida no espaço periodontal, entre o osso alveolar e a raiz dental (figura 3a e 3b) de maneira delicada porém firme. Com a alavanca ou elevador de raiz em posição, aplica-se força leve no sentido apical ao mesmo tempo que se rotaciona o instrumento levemente mantendo-o nesta posição por 10 a 30 segundos. É importante lembrar que o ligamento periodontal é resistente à forças intensas e de curta duração. Porém, forças de menor intensidade e maior duração (10 a 30 segundos) causam fadiga e hemorragia entre suas fibras. O procedimento é então repetido ao redor de todo o dente sendo que, a cada novo posicionamento, faz-se novo intento de inserção mais apical. Dependendo do grau de comprometimento do dente e do seu tamanho, a técnica deve ser repetida várias vezes1,2,5,6,7.
A luxação dental é a etapa mais delicada da exodontia. É importante a correta empunhadura da alavanca para que não ocorram traumas em estruturas adjacentes (mucosa, glândula salivar, passagem nasal, olho) se porventura o instrumental escapar ou escorregar do espaço periodontal. O instrumental deve ser posicionado na palma da mão e o dedo indicador próximo à ponta ativa do instrumental (figura 4)1,2,5,6,7. A força aplicada não deve ser excessiva para não causar a fratura do dente ou do osso alveolar1,5.
Nesta fase, a mão que não segura a alavanca deve dar apoio externo, ou na maxila se a extração for de um dente superior ou na mandíbula se for um dente inferior, para dar suporte quando a força é exercida. Este apoio é mais importante na mandíbula que pode fraturar dependendo da força exercida1,2,5.
O segredo do sucesso da avulsão é controle da força e paciência. Apenas a luxação lenta e consistente permitirá liberar o dente sem fraturá-lo1,12.

Passo 7: avulsão do dente
A avulsão do dente representa sua remoção do alvéolo e é realizada quando o dente já está luxado completamente. Normalmente é realizada com um fórcepsb. A ponta do instrumento está adaptada para segurar o dente na junção amelo-cementária (colo do dente) (figuras 5 e 6) e não é indicada para segurar sua coroa. É importante sempre posicionar o fórceps nesta região ou mais apicalmente na raiz para tracionar o dente e puxá-lo do alvéolo6,7.
Aplicar força com o fórceps pode levar à fratura da raiz do dente. Em alguns casos, como nos dentes pré-molares, as raízes são cilíndricas permitindo a aplicação de força de rotação sobre o longo eixo do dente ao mesmo tempo que é tracionado. Isso não deve ser realizado no caso de anormalidades da raiz (dilaceração ou reabsorção) visualizadas na radiografia inicial1.
Pensar que o fórceps é a extensão dos dedos ajuda no controle da força. Empurrar o dente no sentido apical, antes de tracioná-lo, pode ajudar a romper algumas fibras que ainda estejam presas ao dente4.

Se o dente não pode ser tracionado facilmente, deve-se realizar nova luxação até que o desprenda-se completamente do alvéolo1.

Passo 8: alveoloplastia
É realizada para regularizar o rebordo ósseo permitindo cicatrização mais rápida dos tecidos moles e conforto para o paciente. Utiliza-se broca esférica ou, preferencialmente, ponta diamantada esférica montada em caneta da alta rotação com refrigeração1,7.
Quando não é possível utilizar a caneta de alta rotação, a alternativa são as limas ósseas para realizar a alveoloplastia1.
Após esta manobra, o alvéolo deve ser limpo com um turbilhonamento de solução de clorexidine ou com o auxílio de uma curetac para remover eventuais resíduos de cálculo, osso ou dente e promover a formação do coágulo que será essencial na reparação óssea no local1,2,3. O alvéolo pode ser preenchido com material osteoindutor que também ajudará na cicatrização do alvéolo e na manutenção da crista alveolar1,3,5,.

Passo 9: sutura do sitio de extração
Este passo é controverso entre os dentistas veterinários. Alguns textos indicam a sutura apenas nos casos de várias extrações e outros recomendam sempre suturar1,3,6. Segundo Harvey2, a sutura é somente necessária quando toda a gengiva aderida do dente tiver sido afastada intencional ou acidentalmente. A sutura tem por objetivos promover hemostasia, manter o coágulo em posição dentro do alvéolo, obter a cicatrização por primeira intenção dando maior conforto e estética ao paciente1,3,6.
Indica-se o uso de fio absorvível natural, catgute cromado, ou sintético, ácido poliglicólico ou poliglecaprone, 3-0 a 5-0, dependendo do tamanho do paciente1,7. A sutura é realizada com pontos simples separados distantes de 2 a 3 milímetros. É importante lembrar que para o sucesso da cicatrização não deve haver tensão para a aproximação das bordas da ferida1.
É importante controlar a dor do paciente no pós-operatório. A analgesia pós-operatória pode ser obtida com anti-inflamatórios não esteroidais, narcóticos não ópiodes como o tramadol ou a combinação de ambos que pode promover melhores resultados6,7.

Discussão e Conclusão

Efetivamente as extrações dentárias são muito frequentes na rotina de do atendimento odontológico principalmente devido à doença periodontal e à lesão reabsortiva1,2,3,5,8,9.
Quando um paciente é atendido por um médico-veterinário especializado, é esperado que o proprietário anseie por abordagem conservadora. Porém, a manutenção de um dente em cavidade oral depende de vários fatores como gravidade da afecção que o está comprometendo, idade e estado de saúde do paciente, tempo e número de anestesias a que o paciente poderá ser submetido para o tratamento, disponibilidade do proprietário para realizar cuidados necessários em casa após o tratamento e índole do paciente. A apresentação e a discussão destes fatores permitirá ao proprietário entender e aceitar a extração de um ou de vários dentes, consentindo com o procedimento indicado1.
As radiografias intra-orais e fotografias, antes e após a extração, servem para o planejamento cirúrgico mas também como documentação e comprovação da
necessidade da exodontia1,5. Mostrar a gravidade da afecção através das radiografias e fotografias ajuda o médico-veterinário a explicar ao proprietário a indicação do procedimento. A compreensão e o consentimento da extração minimizarão o descontentamento por parte do proprietário e reduzirão a possibilidade de desacordos comerciais.
A realização da sequência completa para exodontia é de suma importância para minimizar os danos ao paciente e facilitar a remoção do dente. A boa visibilidade do dente a ser extraído e o bom posicionamento do cirurgião1,5,12 facilitarão o uso dos instrumentais (sindesmotomo, elevador periostal e alavancas) necessários minimizando os riscos de iatrogenias no paciente. É importante lembrar que o médico-veterinário com rotina intensa de atendimentos odontológicos, poderá desenvolver ao longo dos anos, lesões posturais importantes por falta de atenção às normas de ergonomia.
A sindesmotomia permite a melhor visibilidade da região que será manipulada no momento da luxação e pode ser realizada com lâmina de bisturi n.11 ou 15, sindesmótomo ou elevador periostal1,6,7. A lâmina de bisturi, cortante, e o sindesmótomo (ponta ativa aguda) devem ser utilizados com cautela pois podem facilmente lesar a gengiva ou tecidos adjacentes. Para iniciantes, aconselha-se o uso do elevador periostal que, por ter a ponta ativa romba, minimiza os riscos de traumas indesejados. Estes instrumentais devem ser empunhados como uma caneta e o movimento de força para descolamento da gengiva deve ser realizado apenas com a movimentação dos dedos.
A fase de luxação pode ser considerada a mais critica e a que requer maior paciência por parte do cirurgião. A escolha adequada do instrumental bem como sua empunhadura são determinantes para a realização adequada da manobra1,2,5,6,7. O mercado nacional apresenta poucas opções de alavancas modificadas para o uso veterinário, o que faz com que o médico-veterinário opte por usar alavancas de uso humano que não são adaptadas para a anatomia dos dentes de cães e gatos, principalmente. Os instrumentais de uso humano podem ter dimensões grandes, sendo de difícil sua introdução no espaço periodontal, dificultando a luxação e podendo causar maior dano aos tecidos adjacentes, principalmente ao osso alveolar1,5. A empunhadura indicada pelos autores1,2,5,6,7 permitirá exercer a força, tanto em sentido apical quando de rotação sobre o longo eixo do instrumental, adequada para o rompimento das fibras do ligamento periodontal. A indicação de manter o instrumento em posição por 10 a 30 segundos deve ser seguida pois é desta forma que se obtém completa passagem do módulo de elasticidade do ligamento para o módulo de plasticidade, gerando fadiga e ruptura. O complexo formado pelos ligamento alveolares é formado e age sob constante impacto da mastigação e de mordedura. Estes fenômenos provocam processos de tensão e tração que, fisiologicamente, mantêm seu módulo de elasticidade inalterado. Em suma, os dentes são preparados para sofrer movimentos intensos e de curta duração.
Aconselha-se o cirurgião a efetivamente contar ou acompanhar com um relógio este tempo que, apesar de curto, pode parecer longo se não monitorado. Mesmo o procedimento sendo realizado ao redor de todo o dente como descrito pelos autores1,2,5,6,7 pode acontecer do dente não se apresentar luxado o que normalmente causa desânimo e irritação. Neste momento é importante o cirurgião parar de trabalhar neste dente e realizar outro procedimento, como profilaxia por exemplo, para depois retornar ao trabalho. Perder a paciência no momento da luxação é caminhar para o insucesso1,12.
A anatomia dental em humanos permite a utilização do fórceps para a luxação do dente. Em animais, o uso do fórceps para romper o ligamento periodontal acarreta fratura radicular porque as fibras ligadas às raízes prendem firmemente a porção apical ao osso alveolar. Raízes longas, então, ao serem tracionadas em movimento circular não suportam a tensão e fraturam. E de suma importância, portanto, que o dente esteja completamente luxado antes de se tentar removê-lo do alvéolo6,7. Muitas vezes, se a luxação tiver sido bem realizada, não é preciso utilizar o fórceps para tracionar o dente. O fórceps deve agir tão somente como pinça para remover o dente do alvéolo.
Quando o dente é retirado do alvéolo, a crista óssea está irregular. Realizar a alveoloplastia com brocas esféricas ou diamantadas montadas em canetas de alta rotação1,7 otimiza o trabalho frente a limas ósseas. Porém, se o cirurgião não estiver habituado ao manuseio deste equipamento, pode facilmente causar lesão em tecidos moles adjacentes. Aconselha-se para o médico-veterinário iniciante a utilização das limas ósseas. A alveoloplastia permitirá obter rebordo alveolar regular e plano e, quando a gengiva for reposicionada para a sutura, terá contato com rebordo suave e pouco angulado, conferindo maior conforto ao paciente após a cirurgia.
A necessidade de sutura da gengiva é controversa1,2,6. Concorda-se com alguns autores1,7 que deva ser realizada sempre que possível para o conforto do paciente utilizando fio absorvível em pontos simples separados. A utilização deste fio evitará anestesias subsequentes para a remoção dos pontos.
A analgesia pós-operatória6,7 é importante é deve ser praticada para que o paciente sinta conforto e volte a se alimentar normalmente. A literatura norte-americana não mencionara o uso da dipirona pois a mesma não é permitida nos EUA. No Brasil, ela é amplamente indicada como analgésico pós operatório nos casos de extrações de dentes unirradiculares não sendo necessária a prescrição de cloridrato de tramadol como sugerido pelos autores.
A extração por via alveolar pode ser um procedimento simples desde que realizado da forma adequada. Se não tratadas com respeito, podem e irão levar a complicações como fraturas de raízes e/ou iatrogenias importantes

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