quarta-feira, 13 de março de 2013

PLATINOSSOMIASE FELINA


RESUMO: O felino doméstico pode ser infectado com várias espécies de trematódeos dentre eles o mais comum é o Platynosomun concinnum, anteriormente chamado Platynosomun fastosum afetando entre 15% a 85% dos felinos domésticos que vivem em áreas tropicais e que são expostos aos hospedeiros intermediários (cobra da terra e lagarto). Os trematódeos adultos se desenvolvem após uma semana da ingestão e os ovos podem ser detectados após três meses. Muitos felino são assintomáticos e outros apresentam sinais não específicos como vômito diarreia inapetência, perda de peso, icterícia e alterações laboratoriais como eosinofilia periférica.
Unitermos: Platynossomun, hepatopatias, felino

Introdução

O gato pode ser infectado com várias espécies de trematódeos dentre eles o mais comum é o Platynosomun concinnum, anteriormente chamado Platynosomun fastosum afetando entre 15% a 85% dos gatos que vivem em áreas tropicais e que são expostos aos hospedeiros intermediários (cobra da terra e lagarto)1. Os trematódeos adultos se desenvolvem após uma semana da ingestão e os ovos podem ser detectados após três meses. Muitos gatos são assintomáticos e outros apresentam sinais não específicos como vômito, diarreia, inapetência, perda de peso, icterícia e alterações laboratoriais como eosinofilia periférica11.
O fígado possui diversas funções relacionadas com o fluxo sanguíneo hepático, metabolismo de proteínas, carboidratos e gorduras, detoxificação e excreção de drogas e toxinas, eliminação da bile. Consequentemente as anormalidades clinicas e laboratoriais associadas a uma insuficiência hepática são diversas8.
Há controvérsia quanto à taxonomia das espécies de trematódeos do gênero Platynosomum, o que fez com que também fossem identificados apenas pelo gênero13.
Patynossomun sp pertence ao filo Platyhelminthes, classe trematoda, subclasse Digenea, família Dicrocoeliidae, Gênero Platynosomum sp; são pequenos trematódeos lanceolados que ocorrem nos ductos biliares e pancreáticos dos vertebrados são encontrados no ducto biliar de gatos em regiões tropicais e subtropicais e América do Sul, são necessários para seu ciclo três hospedeiros intermediários, um caramujo terrestre, um crustáceo e um lagarto15.
Os gatos domésticos diagnosticados com Platinossomíase geralmente têm mais de dois anos de idade e com histórico de caça a lagartixas. Os casos clínicos evidentes de parasitismo por Platynosomun concinnum ocorrem em gatos adultos, que tenham acesso à rua ou quintais4.
O gato infesta-se ingerindo a lagartixa, a maioria das infecções é bem tolerada no gato causando apenas inapetência, mas nas infecções maciças o chamado “envenenamento por lagartixa” há relatos de cirrose e icterícia com diarreia e vômito em casos terminais15.
Os primeiros sinais clínicos se desenvolvem entre sete e 16 semanas de infecção. Alguns gatos sintomáticos podem resolver os sinais clínicos até 24 semanas após a infecção sem tratamento3.
Colangite extra-hepática, câncer, pancreatite, colecistite, e trematódeos do fígado, (Platynosomum concinnum) são as principais causas de obstrução biliar extra hepática em gatos16. Tem-se descrito colangiocarcinoma em gatos infectados cronicamente com Platynosomun concinnum devido à ação irritativa crônica dos parasitas dentro do ducto biliar que provoca o desenvolvimento de células neoplásicas1.
Segundo Center3 a platinossomiase experimental em gatos estabeleceu uma correlação direta entre o estágio de desenvolvimento do parasita no fígado e as manifestações clínicas da infecção. Distensão do ducto biliar aumenta com o crescimento de vermes adultos e sobre a sua maturação sexual, os ductos biliares que contêm parasitas se tornam fibróticos. Durante este tempo, as atividades das transaminases séricas podem se normalizar.
A abordagem clínica e o tratamento de pacientes com hepatopatia devem ser orientados enormemente pela natureza aguda ou crônica do distúrbio hepático, o achado na história clínica, no exame físico e laboratorial pode sugerir se a hepatopatia é aguda ou crônica, a biópsia é o exame padrão ouro para o diagnóstico definitivo8.
As pequenas quantidades de parasitas presentes no animal e a sintomatologia clínica inespecífica fazem com que a infecção pelo trematódeo muitas vezes não seja diagnosticada na clínica de pequenos animais. Esse problema, entretanto, está relacionado especialmente à falta de sensibilidade da técnica indicada para o diagnóstico do trematódeo, que pode ser ocasionalmente através da técnica de flutuação fecal11.
A técnica de centrífugo-flutuação com sulfato de zinco (Faust) foi capaz de recuperar ovos de trematódeos, podendo ser útil ao diagnóstico das infecções por trematódeos de gatos domésticos5, mas o método mais sensível é a sedimentação, que consiste na recuperação de ovos pelo método de formol-éter (técnica de Ritchie), embora a baixa eliminação de ovos faça com que a maioria dos casos seja apenas um achado de necropsia2.
O exame ultrassonográfico é uma ferramenta auxiliar importante ao diagnóstico, revelando vesícula biliar distendida e ductos biliares dilatados, o que pode ser indicativo da presença de grande número de parasitas. Através do ultrassom podem-se coletar ovos de trematódeos, método conhecido como colecistocentese, procedimento não utilizado na rotina devido ao risco de peritonite biliar11.
Os parasitas, conforme o grau do parasitismo podem obstruir o fluxo biliar, seja mecanicamente ou pelo processo inflamatório gerado pelo parasitismo na parede do ducto biliar. Em infecções leves os animais são assintomáticos, porém em infecções maciças os sinais clínicos mais evidentes são inapetência, letargia, anorexia, emagrecimento, vômitos, diarreia, anemia, hepatomegalia, ascite e icterícia13.
O exame ultrassonográfico é o método de escolha para diagnóstico de icterícia em humanos, e sua utilização em medicina veterinária está aumentando13. No entanto, é uma técnica subjetiva, porque os mesmos aspectos ultrassonográficos podem aparecer em diferentes doenças e sua interpretação é assim dependente da habilidades do operador e dos parâmetros de avaliação13.
O espessamento das paredes dos ductos biliares, como hiperplasia das células epiteliais de revestimento e proliferação do tecido conjuntivo, também é observado nos gatos parasitados. Em gatos mais velhos que foram parasitados por longos períodos apresentam emaciação, caquexia e cirrose hepática. A colangio-hepatite crônica é substituída por fibrose periductal que afeta o tecido conjuntivo12. Entretanto, a sintomatologia encontrada é frequentemente inespecífica. Contudo, devido a sua prevalência em determinadas áreas, deve ser considerada como diagnóstico diferencial em afecções hepáticas de felinos10.
Há também alterações laboratoriais como hiperbilirrubinemia persistente e marcada elevações séricos de ALT, AST, ALP, GGT e de ácidos biliares séricos10.
A laparotomia é um meio de diagnóstico secundário e é indicada quando se encontra evidências de obstrução biliar, esporadicamente os trematódeos e os ovos podem ser observados na bile, macroscopicamente e microscopicamente11.
Os achados histopatológicos mais comuns são: congestão portal, sinusóides hepáticos dilatados, degeneração dos hepatócitos, infiltração gordurosa, infiltrado inflamatório polimorfonuclear e um farto acervo de células mononucleares12.
O tratamento preconizado consiste em Praziquantel na dose de 25 mg/kg a cada oito horas durante três dias (VO) com reforço após 12 semanas, alimentação enteral se necessário, fluidoterapia, antibióticos de amplo espectro como amoxicilina e metronidazol para prevenir possiveis infecções ascendentes que podem provocar colangite e colangio hepatite, antioxidantes, prednisolona 1mg/kg para controle da eosinofilia e ácido ursodesoxicólico 15mg/kg SID quando não há obstrução biliar extra hepática11.
A cobertura antibiótica de largo espectro é recomendada para proteger contra a infecção retrógrada da via biliar com bactéria introduzida através da migração de vermes, que pode ser agravado por morte dos parasitas nos tecidos. A prednisolona é usada para reduzir a inflamação eosinofílica em resposta à morte dos vermes e a terapia antioxidante para a lesão tecidual necro-inflamatória3.
SAMe é um antioxidante que regula a apoptose de hepatócitos, inibe a proliferação de células do hepatoma e protege contra o desenvolvimento de focos neoplásicos em modelos de hepatocarcinogênese hepatotóxicas. É antiproliferativa e pró-apoptóticas em neoplasias de hepatócitos, é mitogênica e anti-apoptótica em hepatócitos normais17.
A vitamina E também denominada alfa-tocoferol, é lipossolúvel, também antioxidante e tem um papel importante na proteção dos danos oxidativos nos fosfolipídios de membrana, protegendo-as da entrada de toxinas e micoorganismos e contra o dano à membrana induzida por radicais livres7. A vitamina E tem funções adicionais, incluindo um efeito antiproliferativo sobre o músculo liso vascular e uma influência inibitória sobre a agregação plaquetária17.
A Silimarina, fitoterápico, tem várias ações benéficas úteis no tratamento de doença hepatobiliar, incluindo antioxidante, anti-inflamatória e propriedades antifibróticas. Além disso, a silimarina tem uma capacidade de modular o transporte dos hepatócitos e aumento síntese hepática de proteínas. A silimarina age como antioxidante, reduzindo a produção de radicais livres e peroxidação lipídica17.
N-acetilcisteína (NAC) é uma formulação estável do aminoácido L-cisteína que pode ser utilizada via parenteral para reabastecer cisteína intracelular. É um bem reconhecido antídoto para toxicidade ao paracetamol. NAC também tem efeitos citoprotetores, melhora a insuficiência hepática aguda, tem capacidade de melhorar o metabolismo energético mitocondrial hepático, e ações anti-inflamatórias17.
Sabe-se que o funcionamento do sistema hepatobiliar pode ser prejudicado pelo excesso ou deficiência de certas vitaminas, quase todas as vitaminas hidrossolúveis são essenciais como coenzimas no metabolismo intermediário e muitas delas são ativadas no fígado. A necrose hepatocelular, a obstrução biliar e a insuficiência funcional, contribuem para a privação das vitaminas4. As vitaminas do grupo B são importantes para ativação e metabolismo hepático, circulação entero-hepática, síntese de ácidos nucleicos, hematopoese, integridade epitelial e neuronal7.
O prognóstico é bom desde que sejam fornecidos cuidados de suporte adequados e as infecções secundárias não tenham produzido fibrose biliar ou cirrose hepática11.

Relato de Caso

Uma gata SRD, com sete anos de idade, domiciliada, com acesso a áreas externas e convívio com outros felinos assintomáticos, foi atendida em consultório veterinário particular na cidade de São Paulo com histórico de êmese, constipação, emagrecimento progressivo, apatia, sendo esses sintomas progressivos há 18 meses aproximadamente, apresentava na data do atendimento: anorexia, desidratação 8%, mucosas levemente ictéricas, constipação há três dias, aumento de volume abdominal em região mesogástrica, temperatura corpórea 38º graus , taquicárdica e taquipneica.
No primeiro momento foram administrados fluidos intravenosos, analgésicos, antieméticos, controlada a temperatura corpórea e solicitados exames de triagem: RX abdominal; hemograma; bioquimicos: ureia, creatinina, ALT, FA, GGT, proteína total e frações; urina tipo 1. O hemograma do início do processo (dez/2008) apresentou série vermelha dentro dos parâmetros normais, trombocitose 896.000 mil/mm3, série branca: eosinofilia 50% linfopenia 5%, restante dentro dos parâmetros normais, não havia exames de função hepática e renal (arquivo do proprietário).
O hemograma atual apresentou série vermelha dentro dos parâmetros normais, plasma intensamente ictérico, série branca dentro dos parâmetros normais, urina tipo 1 com alterações: aspecto turvo, cor laranja, DU 1042, odor sui generis, bilirrubinúria urobilinogênio presente, enzimas hepáticas alteradas, ALT 100,00 UI/l; FA 172,24 UI/l; Hipoalbuminemia (1,96g/dl); Hiperglobulinemia (5,86g/dl); Hiperbilirrubinemia (BT 9,47 mg/dl, BD 4,15mg/dl, BI 5,32mg/dl), GGT 22,70UI/L; ureia e creatinina em níveis normais.
O RX apresentou fecaloma. Foi feito lavagem intestinal, fluidoterapia intensiva por quatro dias, sem melhora clinica, animal permaneceu anorético, com vômitos biliosos, aquezia, e evidenciou-se a ictericia, novos exames foram solicitados, no hemograma controle a série branca apresentou alterações: leucopenia 5,700 mil/mm2, eosinofilia 17% enzimas hepáticas em elevação ALT 272,4 UI/l, indicando injúria persistente.
Solicitado então ultrassonografia abdominal onde foi descrito vesícula biliar de paredes espessadas e irregulares, repleta por conteúdo anecogênico e homogêneo, ducto colédoco espessado e sinuoso alterações compatíveis com lesões de fibrose sugestivas de Platinossomíase.
Embora o diagnóstico definitivo para Platinossomíase seja exame de fezes por técnica de Richie, ou histopatológico, sabe-se que a possibilidade de eliminação de ovos é baixa, e a biópsia não foi aceita pelo proprietário, então optou-se pela história clinica, exames laboratoriais e imagem, para diagnóstico .
O tratamento foi efetuado em duas etapas, primeira etapa com o uso do Praziquantel na dose de 20 mg/kg SID por 5 dias, repetidos após 12 semanas, Prednisolona 5 mg Bid 5 dias, diminuindo gradativamente, Lactulona 5 ml BID 5 dias, Metronidazol 15mg/kg BID 15 dias.
A segunda etapa foi com o inicio da terapia com antioxidantes: SAME 90 mg SID, Silimarina 70 mg SID, Vitamina E 100 UI SID, N-acetilcisteina 80 mgSID,e vitaminas do Complexo B 4 gotas BID, durante esse período foi monitorada com exames de imagem e bioquímicos.
Após a primeira fase do tratamento houve resolução da leucopenia e eosinofilia, normoquezia, hidratação normal, após início da segunda fase nota-se melhora da injúria hepática ALT 80,00 UI/l. FA; Albumina; Globulina; Bilirrubinas e GGT em níveis normais, icterícia se manteve por 2 semanas aproximadamente. Animal voltou a se alimentar normalmente.
Após três meses do diagnóstico foram solicitados novos exames controle onde evidenciou-se na ultrassonografia vesícula biliar de paredes finas e regulares repleta por conteúdo anecogênico e homogêneo, ducto colédoco com discreto aumento de ecotextura de mucosa, comparando-se com o exame anterior nota-se sensivel melhora. No entanto ALT 59,00 UI/l permaneceu alterada, e voltou a eosinofilia 25%. Optou-se então a repetir o tratamento, embora clinicamente o animal estivesse bem.
Após 30 dias do exame anterior observou-se melhora significativa na eosinofilia, diminuição dos níveis das enzimas hepáticas mas não chegou a niveis normais, melhora da imagem ultrassonográfica.
Após 10 meses do diagnóstico, a ultrassonografia revelou ducto colédoco com discreto espessamento de parede, dimensões preservadas e ecotextura ligeiramente aumentada. O hemograma apresentou-se dentro dos parâmetros normais, eosinofilia persistia no mesmo parâmetro e houve pequena redução na ALT 55,00 UI/l, animal apresentava-se em bom aspecto geral, normorexia, normoquezia, normodipsia, além do ganho de peso.
Conclusão
Embora os proprietários não relatem o hábito de caça pelos felinos domiciliados, é importante ressaltar que é uma atitude inerente a espécie e passível de ocorrer mesmo em locais fechados, a importância do conhecimento da platinossomiase facilita a explicação ao proprietário e isso é de suma importância para a fidelização ao tratamento, pois muitos não aderem ao tratamento pelo fato de não visualizarem o hábito de caça.
Atentar ao fato que a ultrassonografia pode contribuir com a definição do caso, embora não seja o exame padrão ouro para essa afecção, mas avaliando em conjunto com exames laboratoriais direciona o diagnóstico. Sendo assim a platinossomiase deve ser considerada diagnóstico diferencial em todas as afecções que envolvem trato gastro intestinal.

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